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Isometrias no Plano (Translações, Rotações e Reflexões)
Esta página foi feita para devolver à Internet parte de tudo que tenho aprendido através dela nos últimos 15 anos, pelo menos. O "Uso de Transformações Geométricas na Revigoração do Ensino de Geometria Plana" é uma forma de levar ao grande público, estudando ou lecionando nos cursos de matemática de níveis Fundamental e Médio, as técnicas e a filosofia envolvidas na utilização de isometrias no plano. As animações utilizadas estão a seguir e o texto, em pdf, está no fim desta página. Antes, porém, vou tecer alguns comentários que considero pertinentes e que não achei que seria adequado colocar no texto do trabalho, por mais liberdade que tenha tido por parte da banca do IMPA e por parte do meu orientador (prof. Eduardo Wagner).
Playlist do Youtube com todas as 23 animações
Para navegar pelas animações, clique nos botões e que estão na barra inferior do player, abaixo.
Como ler o trabalho?
Para todas as questões e para os principais resultados teóricos foram feitas animações em vídeo. O leitor poderá sempre optar por assistir ao vídeo em lugar de ler o respectivo trecho. Nada será perdido com esta escolha.
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- Leigos: sugiro a leitura das seções 1, 2, e 6, assim como do apêndice "O que é Geometria?".
- Alunos: podem focar nas seções 2, 3 e 4, assim como no apêndice "O que é Geometria?".
- Professores: todo o trabalho foi feito para o professor. Sugiro, além da leitura integral do trabalho (podendo substituir os conteúdos estáticos pelos vídeos, como já disse), as referências bibliográficas citadas nas seções 4 e 5.
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O Yaglom e os Livros Didáticos Russos
Meu encantamento pelos livros russos (da extinta União Soviética) me acompanha desde a adolescência. Já no nível médio, através do livro "Problemas Selecionados de Física Elementar", eu adquiri um nível de excelência nos tópicos lá abordados que certamente não conseguiria com qualquer dos livros nacionais disponíveis.
E o que faz estes livros serem tão bons?
Os livros russos - em geral - valorizam o conceito, muito mais do que a conta. Em lugar treinar o uso de muitas ferramentas, eles exploram até a exaustão a utilização de ferramentas que, em princípio, já são de conhecimento do aluno. É o que eu chamo de "ensino sustentável": em lugar de aprender uma nova ferramenta a cada dia, escolha uma boa ferramenta e se torne excelente nela! É o conceito ecológico de reaproveitamento incorporado à didática. Assim, no livro de física que citei, muitos problemas que eram resolvidos com ferramentas elementares de matemática, num curso comum passariam por pesados procedimentos - em geral - de cálculo diferencial e integral para se alcançar o mesmo resultado. Algo análogo pode ser encontrado no Yaglom e no trabalho que aqui apresento. O problema de Fagnano, por exemplo, que é resolvido praticamente sem que uma única conta seja feita, num curso comum dificilmente seria feito sem bons conhecimentos de Cálculo Diferencial e Integral de várias variáveis.
Em bom português, evita-se "matar uma mosca com um tiro de canhão".
Esta opção por aproveitar ao máximo o conhecimento que se tem acaba sendo carregada para a vida, fazendo com que o aluno entenda mais naturalmente a necessidade de se reaproveitar os demais recursos que se mostram disponíveis a ele, entre eles, as suas habilidades, suas amizades e, principalmente, os recursos naturais.
A Teoria WNN*
No rumo de justificar "por que ensinar isso?", "por que aprender aquilo?", precisei gastar um bom tempo refletindo sobre a matéria prima que precisa constituir o que uma boa Escola** deveria ensinar. Ou seja, quais os elementos que eu assinalaria como básicos no conteúdo ministrado por uma boa Escola? Para mim, estes elementos básicos podem ser divididos em três grandes grupos:
1) As peças
O conceito mais corriqueiro e mundano de Escola passa necessariamente pela transmissão de informações e treinamento no uso de ferramentas técnico-científicas que possam ser utilizadas no cotidiano ou que figurem como pré-requisito para o ingresso do aluno na maior parte das carreiras profissionais. Estamos falando de coisas como porcentagem, juros, programas de saúde, história recente do país e do mundo, divisão política dos estados, compostos, processos e aparelhos químicos ou físicos utilizados dentro de casa ou numa empresa comum. A boa Escola, portanto, é capaz de selecionar e transmitir ao aluno os conteúdos mais básicos, de onde a maior parte dos demais podem ser obtidos, e que ajudem o cidadão a formar juízo de valor sobre os temas que permeiam o seu cotidiano.
2) Como conectá-las
Se pararmos por aí, realmente, a maior parte da Matemática ensinada é completamente inútil. A questão é que não basta dar ao aluno um monte de peças de um quebra-cabeças imenso. É preciso treiná-lo na montagem. É preciso dar ao aluno a capacidade de conectar estas peças, mesmo sem conhecer toda a figura, mesmo sem ter em seu poder a totalidade delas. E isso é o que de melhor a matemática pode fazer e, a meu ver, nenhuma outra disciplina é capaz de desenvolver esta habilidade tão bem como a Matemática o faz.
3) Por que conectá-las
Esta é a parte da Escola que deveria exercitar o uso da subjetividade. É o componente de imponderabilidade e imprevisibilidade que verdadeiramente dá razão e motivação às nossas ações e faz com que todos os esforços valham a pena. Não só refletir sobre o porquê de conectar as peças, muitas vezes devemos largar o quebra-cabeças de lado, olhar para o infinito e esperar um pouco até que a intuição nos acorde do sono da razão. É a parte humana do processo; aquilo que não saberíamos colocar num programa de computador. Incluem-se aqui disciplinas ligadas às artes, como teatro, a pintura e música.
Tudo junto
Algumas escolas até são até capazes de desempenhar estes papéis separadamente. Mas, mesmo assim, o aluno ainda tem a estranha sensação de que tudo que aprendeu é inútil. É mais ou menos como dar a uma pessoa trigo, ovo, açúcar, leite e fermento. O que fazer com eles? É preciso, pelo menos uma vez, juntar as partes nas proporções corretas, na sequência correta e em ambiente adequado para ver a mágica acontecer e saborear o resultado.
Todas as disciplinas possuem cada um dos três componentes acima. O que diferencia as disciplinas umas das outras é exatamente a proporção que nelas cada um deles desempenha com relação ao todo. Desta forma, por exemplo, História teria muito mais o item 1) do que os demais, Dança teria muito mais o item 3) e Matemática seria (ou deveria ser) predominantemente o item 2), exceto se a escola - ou o professor - conduzir de forma a ressaltar, num determinado curso, os demais itens que não são - via de regra - predominantes.
É exatamente isso que, em geral, confere ao cientista social, ou ao advogado, alto poder de argumentação, mesmo que estas profissões recebam profissionais que, em geral, são refratários à matemática. A vantagem de se estudar matemática é que, ao contrário do treinamento natural do componente 2) pelo qual passamos quando estudamos com profundidade as demais disciplinas, através da matemática é possível fazer este treinamento independer da natureza do objeto que está sendo modelado, discutido ou analisado. A matemática, na verdade, é um grande laboratório do pensamento, onde os freios impostos pela física dos fatos reais, em geral, não existem. Lá é possível treinar sem amarras ou com tantas amarras quantas forem necessárias para conferir excelência num determinado aspecto de um processo mental necessário para nos conduzir a uma conclusão coerente e justificada.
Por conta disso, o profissional, de qualquer área, que sabe matemática (ou, mais especificamente, que é treinado no componente 2) através da matemática), irá acabar se destacando mais naquilo que faz do que o outro que não passou pelo mesmo treinamento.
Objetivos Imateriais
A utilização da ideia de grupos de transformações, o jogo do "O que é, o que não é?" e todo o ferramental concreto oferecido (veja texto em pdf) diminuem a distância entre a experimentação (aspecto concreto) e os níveis mais altos de abstração, conduzindo-nos a um confronto com uma série de discussões que poderão fundamentar respostas consistentes para perguntas como "Por que estudamos matemática?" e "O que é Geometria?". Muito mais que isso, esta linha de raciocínio força o aluno (e o professor) a refletir sobre o conceito de relações e classes de equivalência que são, na verdade, o que nos permite dizer que "3=3", ou que "dois triângulos de lados 3, 4 e 5 são congruentes", ou que "o jardim é florido se, e somente se, o gato mia", ou, ainda, "que todos são iguais perante a lei".
Muito mais do que mostrar maneiras "novas" de resolver velhos problemas, espero, portanto, com este trabalho, contribuir para que finalmente paremos de justificar o ensino da matemática com argumentos do tipo: "você estuda números complexos porque um dia, ao estudar Séries de Fourier em engenharia, poderá precisar deles". A principal função da matemática - até mesmo antes de fornecer os subsídios técnicos para os problemas profissionais e do cotidiano - é, simplesmente, conferir ao cidadão capacidades ligadas à argumentação, pesquisa, modelagem, síntese e análise de problemas complexos. E a Geometria é um excelente laboratório para tudo isso. Talvez, por causa exatamente disso, ela tem sido ensinada desde tempos imemoriais.
Como eu estou gastando este tempo para falar coisas que não cabem num trabalho acadêmico vou aproveitar para apresentar uma outra grande razão para se estudar Geometria: "estudar geometria é extremamente divertido". Todos os professores (e muitos alunos) que conheço e têm conhecimento médio ou profundo em Geometria perdem, com prazer, uma tarde de domingo resolvendo problemas como os propostos neste trabalho. É uma diversão barata, saudável e que otimiza imensamente o seu raciocínio, muito mais do que qualquer um dos jogos que conheço (inclusive o xadrez).
A Questão Salarial
Considero inadmissível falar sobre melhoria da Escola, Reciclagem e Atualização de Professores sem falar na questão salarial. Mas não tenho como discutir isso aqui com profundidade. Quero sugerir apenas que os professores busquem isonomia com classes que possuem a mesma qualificação. Ou seja, profissionais com formação e regimes de trabalho equivalentes (mesma escolaridade, mesmo grau de especialização, mesma carga horária etc) não podem ganhar de forma tão discrepante como se vê hoje em dia no Brasil, em que um juiz, por exemplo, ganha muitas vezes o que ganha um professor, mesmo um professor universitário.
Ser remunerado decentemente passa necessariamente pela atuação política, de preferência, de forma inteligente e coerente, da classe que requisita a respectiva a valorização. Este dever de casa, entretanto, ainda estamos fazendo. E é bom que consigamos, porque os nossos alunos dependem disso:
1) porque disso depende a existência da profissão (já não há professores suficientes para ministrar determinadas cadeiras em várias regiões do Brasil)
2) e porque, no frigir dos ovos, é o exemplo que convence, de fato, muito mais do que mil palavras.
Texto em pdf
(Se o documento acusar erro por limite excedido de banda, tente recarregar a página uma ou duas vezes. Costuma resolver. Alternativamente, o documento pode ser acessado diratamente a partir do servidor da Sociedade Brasileira de Matemática: http://bit.profmat-sbm.org.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/1402/2012_01207_DEMETRIUS_MELO_DE_SOUZA.pdf?sequence=1. )
*Não tinha a menor intenção de dar um nome a estas mal escritas linhas, mas as coisas na nossa civilização precisam de um nome para serem lembradas! E a moda manda colocar um nome em Inglês (em Inglês parece mais importante e mais confiável, não é?). Se pudermos transformar numa sigla, então, melhor ainda. Por conta disso WNN significa "without the need of a name". Ou, trocando em miúdos, "Teoria Sem a Menor Necessidade de um Nome".